WINSTON DE ARAÚJO TEIXEIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo demonstrar os efeitos do compliance no meio ambiente de trabalho diante da implementação de um Programa de Compliance nas organizações, bem como, explorar ferramentas a serem utilizadas para a sua concretização e expor como essa prática pode contribuir para um cenário mais seguro para empregados e empregadores. A aplicação deste instituto pode ser utilizada como um instrumento de fiscalização no que concerne ao cumprimento das normas trabalhistas a fim de prevenir demandas judiciais que poderiam ter sido evitadas com simples práticas, fazendo uso de elementos como Código de Ética, Canais de Denúncias e Treinamentos. A metodologia a ser utilizada será pesquisa qualitativa e pesquisa bibliográfica de doutrinas da área do Direito do Trabalho além de artigos específicos voltados para o tema de meio ambiente de trabalho e Compliance.
Palavras-chave: Compliance, meio ambiente do trabalho, fiscalização.
ABSTRACT: The scope of this work is to demonstrate the effects of compliance in the work environment in view of the implementation of a Compliance Program in the organizations, as well as to explore tools to be used for its implementation and expose how this practice can contribute to more insurance for employees and employers. The application of this institute can be used as an inspection instrument with regard to compliance with labor standards in order to prevent lawsuits that could have been avoided with simple practices, making use of elements such as the Code of Ethics, Whistleblower Channels and Training. The methodology that will be used is qualitative research and bibliographical research on doctrines in the area of Labor Law, as well as specific articles focused on the theme of the work environment and Compliance.
Keywords: Compliance, work environment, inspection.
O direito fundamental a um ambiente de trabalho digno, apesar de estar consolidado na Constituição Federal de 1988 e em Convenções e Organizações Internacionais do Trabalho, não costuma encontrar na prática o fiel cumprimento das legislações e diretrizes que o garantam. Nesse contexto, faz-se necessário o estudo de mecanismos jurídicos que possam auxiliar na melhoria de qualidade de vida dos empregados e empregadores que integram uma organização, bem como a implementar procedimentos fiscalizatórios mais condizentes com a realidade, de modo a coibir práticas abusivas ou ilegais e, por conseguinte, reduzir o número de demandas trabalhistas perante o Poder Judiciário. Diante disso, oportuno perquirir, quais os elementos pertinentes a serem inseridos em um Programa de Compliance? Quais os efeitos do compliance na seara trabalhista e de que forma isto implica na diminuição de processos judiciais?
Para responder a essas questões, procura-se, nesta pesquisa, investigar as possibilidades de execução de um Programa de Compliance dentro das organizações, como também explorar a utilização de ferramentas que sejam viáveis para a sua concretização e, ainda, como a utilização dessa prática poderá contribuir para a redução de demandas trabalhistas. Desta feita, tem-se como objetivos específicos deste estudo abordar o conceito de Compliance e dos seus benefícios, analisar a criação de instrumentos como Código de Ética, Treinamentos, Canais de Denúncia, realizados por um departamento autônomo e independente, os quais terão como principal finalidade aplicar sanções pelo descumprimento de normas internas, como também de normas jurídicas e, por fim, analisar os efeitos do programa dentro das instituições a fim de demonstrar que prática de compliance pode refletir na redução das contendas trabalhistas.
A importância do estudo reside, entre outras razões, na oportunidade de informar a sociedade sobre as vantagens do Programa de Compliance e de como sua utilização dentro das empresas poderá contribuir para efetivação dos princípios e regras do Direito do Trabalho, salvaguardando a relação entre patrão e funcionários.
A pesquisa foi desenvolvida utilizando-se a metodologia dedutiva, por meio da revisão bibliográfica de doutrinadores da área do Direito do Trabalho, bem como de artigos específicos voltados para o tema de meio ambiente de trabalho e Compliance.
Isto posto, o Compliance trabalhista, embora utilizado como ferramenta a princípio de proteção aos empregadores, visto as vultuosas normas trabalhistas brasileiras, não pode ser separado de seus efeitos práticos nas vidas dos trabalhadores, o quais igualmente se beneficiam do cumprimento adequado da legislação, o que reduz os ricos e perigos da atividade laborativa desempenhada, possibilitando uma resolução administrativa e mais célere para eventuais dilemas enfrentados dentro da empresa.
Compliance é um termo originado da língua inglesa que em tradução literal significa conformidade. Representa, assim, o dever de estar de acordo com as leis, regulamentos, diretrizes e preceitos éticos a fim de minimizar os danos oriundos de sua não observância.
De acordo com Oliva e Da Guia Silva (2018), o compliance compreenderia a instituição de instrumentos de controle auto impostos, ou seja, um sistema de compliance poderia ser conceituado como a regulamentação de um ambiente organizacional para que seja pessoalmente responsável por seus atos. Assim, o estabelecimento de regras de conduta que devem ser seguidas por todos dentro de uma determinada organização deveria buscar prevenir infrações, com o aumento da responsabilidade de seus membros. Decerto, a adoção compliance buscaria o correto funcionamento do ambiente corporativo.
Na definição de André Cabete Fábio (2017):
O Compliance é uma prática corporativa que pode ser tocada por um departamento interno da empresa ou de forma terceirizada. Seu objetivo é analisar o funcionamento da companhia e assegurar que suas condutas estejam de acordo com as regras administrativas e legais, sejam essas regras externas (do país, Estado e cidade onde ela atua) ou internas (da própria empresa).
Embora o uso do compliance como ferramenta reguladora e preventiva esteja tomando maiores perspectivas atualmente, sua prática é relativamente antiga. Segundo Hugo do Amaral Ferreira Trapp (2015), as primeiras noções de compliance surgiram no ano de 1913, quando os Estado Unidos criaram o Federal Reserve, o Banco Central Norte Americano, com o escopo tornar o sistema financeiro mais seguro, estável e flexível por meio da adoção de práticas de compliance.
Posteriormente, ainda segundo Trapp, tem-se como marco histórico da evolução do compliance o ano de 1930 com a Conferência de Haia, na qual fundou-se o BIS – Bank of International Settlementes, com sede em Basiléia, Suíça, cujo objetivo principal era buscar a cooperação entre os bancos centrais ao redor do mundo.
Mais tarde, tem-se na década de 1960, a denominada “era do Compliance”, porquanto a SEC – Securities and Exchange Comission, uma comissão de valores mobiliários americanos, começou a pressionar as empresas estadunidenses para que contratassem os denominados “compliance officers”, com a finalidade de criar procedimentos de controle, treinar funcionários e monitorar o cumprimento de regras internas.
Em 1974, surge o Comitê de Regulamentação Bancária e Práticas de Supervisão, o qual fora criado pelos países-membros do G-10 para discutir questões relacionadas à indústria bancária com o fito de melhorar a qualidade e fortalecer a segurança do sistema bancário internacional.
A partir de 1977, a legislação americana precisou ser aprimorada diante do escândalo de corrupção Watergate, sendo aprovado pelo Congresso Norte-americano o Foreing Corrupt Practices Act – FCPA, que disciplinava acerca da fiscalização e punição das práticas corruptas realizadas pelas empresas e organizações. O Reino Unido, em 2010, aprovou o Bribery Act, a lei britânica de combate e prevenção à corrupção, similar ao estabelecido na legislação americana.
No Brasil, o uso do Compliance se intensificou com a promulgação da Lei n° 12.846/13, a qual dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional e estrangeira, a denominada Lei Anticorrupção.
Nesse diapasão (JOBIM, 2018, p. 27) leciona:
Há o entendimento que a “Lei Anticorrupção” (Lei 12.846/2013) contribuiu para o fortalecimento da implementação de controles internos e de programas de compliance, já que prevê a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas envolvidas, incentivando uma atuação empresarial preventiva, ética, e combativa, a qual reforça a confiança dos investidores no âmbito nacional e internacional, trazendo benefícios a toda sociedade brasileira.
Destarte, com a promulgação da Lei Anticorrupção o Compliance passou a ser utilizado como ferramenta por diversas empresas e, em que pese tenha se iniciado na seara bancária, hoje reverbera para todos os ramos, inclusive o trabalhista, como será observado no presente trabalho.
Um dos efeitos próprios da celebração de um contrato de trabalho é o poder empregatício, o qual consiste em um conjunto de prerrogativas conferidas pelo sistema jurídico e atribuídas ao empregador a fim de regular a relação de emprego, dividindo-se nos poderes diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar (DELGADO, 2019).
O poder diretivo encontra-se fundamentado no art. 2° Consolidação das Leis do Trabalho, ao definir como empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço. Nas palavras de Maurício Goldinho Delgado:
Poder diretivo (ou poder organizativo ou, ainda, poder de comando) seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange à prestação de serviços. (DELGADO, 2019, P.793).
Ademais, outros dispositivos da CLT reafirmam o poder diretivo do empregador na relação de trabalho, como a previsão no art. 468, §1°, que confere ao contratante a discricionariedade de reversão do empregado para cargo efetivo, deixando o exercício de função de confiança; e no art. 469, que permite a de transferência de local de trabalho do empregado desde que não acarrete a mudança de seu domicílio.
Assim, cabe ao empregador adotar as medidas que melhor entender cabíveis para tornar possível a execução do trabalho, depreendendo-se do poder diretivo três aspectos: organização, controle e disciplina. Deste modo, sendo os poderes patronais instrumentos de gestão, tem-se o compliance como consequência do exercício dessa prerrogativa, além de estratégia empresarial que de ver utilizadas por todos os tipos de organização (BREDA, 2020).
Para Wagner Giovanini (2014), três são os pilares em um Programa de Compliance: prevenção, detecção e correção. A prevenção é o pilar mais importante e amolda-se perfeitamente ao poder diretivo de organização e direção do empregador (JOBIM, 2018), visto que dele decorrem as ações da empresa voltadas à instituição de políticas e procedimentos com a finalidade de evitar irregularidades e orientar os trabalhadores, inserindo-se nesta etapa a criação de códigos de ética e de conduta, por exemplo.
Nesse diapasão, o compliance é, acertadamente, direcionado para a efetiva prevenção de danos e infrações, tendo como objetivo principal impedir a ocorrência de violações à legislação vigente e as normas internas da pessoa jurídica que o adota. Saad-Diniz e Silveira (2015), citados por Oliva e Da Guia Silva (2018), teriam disposto que o compliance “orienta-se, em verdade, pela finalidade preventiva, por meio da programação de uma série de condutas (condução de cumprimento) que estimulam a diminuição dos riscos da atividade”.
O segundo pilar, detecção, relaciona-se ao poder diretivo fiscalizatório e corresponde a um conjunto de elementos voltados a identificar atos de corrupção, promover canais de denúncias, auditoria e outros mecanismos que auxiliem a sanar dúvidas e apurar responsabilidades.
Por fim, o terceiro pilar, correção, corresponde ao poder diretivo disciplinar, consistindo na aplicação de punição e reprimenda às condutas inadequadas de forma imediata e observada a proporcionalidade, para assim fortalecer a atuação do empregador (JOBIM, 2018).
Desta feita, insta salientar que embora o poder diretivo seja atribuído ao empregador, a adoção de medidas de prevenção, detecção e controle impõem-se a todos no ambiente de trabalho, minimizando condutas lesivas que poderiam prejudicar os funcionários, como práticas de assédio moral e sexual, horas extras não pagas e de desvio de função.
No Brasil a legislação trabalhista é em sua maioria voltada para a proteção do empregado em detrimento do empregador, visto ser aquele habitualmente a parte frágil e hipossuficiente da relação. Diante disso, fundamental que as empresas desenvolvam mecanismos com a finalidade de evitar os imbróglios oriundos do pacto laboral, protegendo-se de demandas perante o Poder Judiciário.
Em decorrência do poder diretivo, o empregador na atuação da sua prerrogativa disciplinar é quem estipula quais regras serão aplicadas ao contrato de trabalho por meio de códigos de conduta e regulamento interno. O compliance busca estabelecer na empresa a implementação de um programa voltado para a obediência aos critérios legais de contratações de funcionários, demissões, relações interpessoais, normas de saúde e segurança do trabalho, terceirização de serviços, dentre outros, a fim de que sejam cumpridas as legislações e as demais normas do Direito do Trabalho, buscando uma gestão empresarial ética e sustentável, de forma a não suprimir nenhum direito trabalhista.
Os mecanismos de compliance buscam mitigar os riscos relacionados a atividade de determinada pessoa jurídica, prevenindo a ocorrência de danos, ou restabelecendo o estado de legalidade anterior, quando não foi possível evitar que o referido dano se consumasse, de forma imediata. Essa concepção é diametralmente oposta à responsabilidade civil, pela qual busca-se a reparação dos danos após a sua ocorrência, servindo apenas de forma acessória na prevenção de novos danos. Nesse sentido, é importante destacar que os programas de compliance buscam estabelecer sanções disciplinares de maneira específica para cada agente econômico, levando em consideração as especificidades de seu negócio, determinando sanções disciplinares, dentro da margem permitida por lei, bem como adotando a cooperação com o Poder Público quando necessário (OLIVA e DA GUIA SILVA, 2018).
Assim, ao utilizar o compliance como ferramenta de gestão, evita-se o abuso do poder diretivo, o que poderia gerar jornadas extenuante e um ambiente de trabalho não sadio, de forma que o empregador é melhor orientado a tomar decisões apropriadas no exercício da esfera disciplinar, respeitando a proporcionalidade, o dever de informação, assegurando o contraditório e a ampla defesa e garantindo a segurança jurídica dos seus atos.
Em um segundo momento, ainda, as ações fiscalizatórias devem tomar cena com o fito de averiguar se as regras estipuladas estão sendo seguidas e, caso não estejam, nasce para o empregador a necessidade de fazer uso do poder diretivo na esfera disciplinar, especialmente frente à responsabilidade social da empresa e considerando-se os riscos do negócio. Nessa esteira, muitas empresas por meio das políticas de compliance passam a vincular caráter pedagógico às penalidades aplicadas, não admitindo qualquer desvio de conduta e, por consequência, há aumento de segurança das empresas em aplicar demissões por justa causa (BREDA, 2020).
Posto isso, o compliance não somente diminui o risco de decisões internas desvinculadas do regime jurídico vigente, mas também gera estabilidade para o sucesso do negócio a longo prazo e contribui para a efetivação dos direitos trabalhistas em prol do empregado, reprimindo riscos trabalhistas, estes considerados ameaças que podem surgir em razão de descumprimento das legislações trabalhistas, geralmente decorrentes de falta de conhecimento, políticas internas inadequadas e desatualizadas ou por falha na gestão de recursos humanos (CAVALCANTI, 2021).
À vista disso, impossível desvincular o compliance de um contexto em que não estejam inseridos todos os funcionários e sócios de uma empresa, porquanto o risco trabalhista não se resume somente ao passivo trabalhista resultante de condenações judiciais.
A instituição de um programa de Complience deve iniciar com a análise de riscos do negócio, o qual possibilitará que as organizações definam quais ações devem ser tomadas de acordo com a realidade de cada empresa. Segundo Oliva e Da Guia Silva (2018), sendo um sistema que busca prevenir riscos e respeitar a legalidade, o modelo de compliance adotado por uma organização por certo irá variar. As pessoas jurídicas alvos desse sistema são múltiplas e, em virtude disso, é necessário que esse método se adeque as peculiaridades da atividade empreendida por cada corporação. Dessa forma, a própria organização, ao adotá-lo, disporia de um espaço de atuação amplo, no qual deveria moldar o sistema de compliance à sua situação concreta.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa orienta que:
No planejamento estratégico, bem como na tomada de decisão, deve ser considerado o processo de gerenciamento de riscos. A administração deve trabalhar para entender o perfil de riscos da organização, que deve estar alinhado com a sua identidade e determinar seu apetite a riscos – ou seja, o nível de risco que está disposta a aceitar. Ao ser integrado ao planejamento estratégico, o gerenciamento de riscos se torna um alicerce para o sistema de Complience, contribuindo para o estabelecimento de processos alinhados e compromissos de curto e longo prazo documentados. (IBGC, 2017, p. 56)
Todavia, em que pese a discricionariedade de cada empresa, a fim de que um programa de compliance seja efetivado se faz necessária disposição de ferramentas essenciais como análise de riscos, verificação de quadro de funcionários e colaboradores, definição de um Código de Conduta, instalação de canais de denúncia e designação de um responsável pela supervisão da aplicação das medidas (RIBEIRO, 2020).
A análise consiste em averiguar o estado em que se encontra a empresa e avaliar eventuais riscos que podem ser abarcados pelo programa de integridade, conhecendo as áreas e os processos mais sensíveis de modo a criar mecanismos de controle ou adaptar os existentes (BLOK, 2020).
Após análise e mapeamento das principais áreas de risco, o departamento da empresa responsável pelo Compliance deverá elaborar o Código de Ética e Conduta, relevando os princípios, valores e objetivos da organização, em uma linguagem simples, clara, de fácil acesso e compreensão por todos os colaboradores, com o intuito de reduzir a possibilidade de ocorrência de práticas de condutas ilícitas ou inadequadas por parte dos funcionários.
De fato, os trabalhadores precisam saber quais as penalidades possíveis para seus atos. Com esse objetivo, a organização passa a criar normas positivadas que regem como a pessoa deve agir no ambiente corporativo. De acordo com De Oliveira (2015, p. 178) a “Maneira de formatar e formalizar esses regramentos passam pela implantação de Códigos de Ética, Códigos Disciplinares e demais instruções a serem cientificadas aos empregados quando da contratação, mas também sempre que surgem atualizações e novas normativas. ”
Outra ferramenta que possibilita a efetividade do Programa de Complience, é o treinamento periódico dos empregados e colaboradores durante o vínculo funcional, com a finalidade de reiterar a cultura organizacional da empresa e especificar as condutas permitidas ou não no ambiente de trabalho com a explicitação das possíveis consequências.
Segundo De Oliveira (2015), quando se trata da capacitação permanente, o treinamento, dentro dos ditames da Lei Anticorrupção, é um elemento essencial na busca pela eficiência e efetividade dos programas de compliance, isso porque já no treinamento se buscaria disseminar a cultura do compliance e conscientizar sobre imprescindibilidade do cumprimento das normas internas e externas à organização. Por isso, esse aspecto deve ser fomentado tanto nos níveis hierárquicos mais altos, quantos no “chão de fábrica”.
Os canais de denúncia são importantes para estabelecer uma comunicação com o empregado, permitindo que este expresse quais pontos entende passíveis de melhorias no ambiente de trabalho, bem como possibilita a delação de práticas e condutas ilícitas. Todavia, para que o mecanismo seja efetivo os canais de denúncias devem ser acessíveis e confiáveis, preservando o sigilo e a identidade dos denunciantes para que os funcionários possam formalizar suas queixas e protegerem-se contra eventuais retaliações.
Deste modo, os canais de denúncia auxiliam na redução de perdas e instrução dos empregados quanto a identificar atividades fraudulentas, contribuindo para a proteção do negócio empresarial, fornece transparência aos processos e às relações de gestão, inibe desvios de conduta, aprimorando o ambiente de trabalho e confere dados atualizados e relevantes à auditoria interna (JOBIM, 2018).
Nada obstante, a adoção dessas normas preventivas não recebe a devida importância de gestores e executivos. Ademais, não se pode, ainda, querer implantar uma área de compliance e deixa-la escrava a decisões de superiores para a indicação de atos ilícitos. Isso tornaria a própria finalidade desta área inviável. Por essa razão, ao adotar um sistema de compliance, é preciso deixar claro que tal área possui liberdade e autonomia no desenvolver de suas atividades, de forma que, em caso de identificação de uma irregularidade, esta será avaliada mediante critérios previamente estabelecidos e terá consequências já conhecidas, dentro das normas internas da empresa (DE OLIVEIRA, 2015).
Noutro giro, a adoção da técnica de compliance denominada know your employee pode falicitar o conhecimento, pela empresa, do perfil de cada funcionário antes da contratação, evitando que um empregado que não se encaixe nos padrões da corporação (valores e códigos de conduta e ética) não seja inserido no ambiente organizacional, o que previne desde conflitos com outros empregados, até o prejuízo à imagem da instituição (FRANÇA, 2018).
Desta feita, tais medidas se, adotadas pelas empresas e repassadas aos colaboradores têm a capacidade de evitar ou, ao menos, minorar os riscos gerais da relação de trabalho, acautelando-se das demandas trabalhistas e melhorando aspectos internos e externos da organização.
A ausência de adoção de um Programa de Compliance não se restringe ao aumento do passivo trabalhista, mas também reflete em outros prejuízos para a organização, como queda de produtividade, recebimento de sanções de órgãos fiscalizadores e desgaste na em sua imagem perante a sociedade e investidores.
O sistema de compliance está presente no aparelhamento normativo pátrio. Veja-se isso pela conceituação que pode ser retirada do Decreto n. º 8.420/2015, que regulamenta a lei Anticorrupção, a Lei n. º 12.846/2013, em que é estabelecido que um programa de integridade para minoração de riscos e saneamento de irregularidades compreenderia, em suma, adoção de mecanismos preventivos:
Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Naturalmente, é notável que a adoção do compliance, por meio de programas de integridade, passa a ser mais do que mera imposição legislativa, mas uma necessidade comercial. A adoção desse sistema internamente em uma corporação demonstra a seriedade daquele agente econômico e viabiliza o aumento da sua confiabilidade no mercado, por conseguinte, leva a celebração de mais negócios (OLIVA e DA GUIA SILVA, 2018).
Neste ramo do direito, repleto de constantes alterações legislativas, em especial a nova reforma trabalhista, consubstanciada na lei n. 13.467/2017, é preciso destacar que é exigido das empresas um elevado nível de cautela na implementação das políticas organizacionais. A própria jurisprudência trabalhista, sempre em evolução, deve ser atentada pelos empregadores, pois, conforme afirma Gieremek (2015):
O cenário empresarial e o ambiente regulatório trabalhista estão cada vez mais complexos, afetando diretamente as relações profissionais. O fato requer atualizações constantes nas políticas internas das empresas. Aplicado na criação e na manutenção de um código de condutas comportamentais da companhia, o compliance trabalhista entra em cena para imunizar a atmosfera corporativa contra práticas antiéticas e ilegais, atendendo à necessidade das corporações de se manterem pautadas na ética e na legislação vigente. (GIEREMEK, 2015, citada por DE SOUZA e BELLINETTI, 2019, p. 232).
É preciso destacar que o compliance no âmbito trabalhista, além de servir como mitigador dos danos sofridos pela empresa no que tange às multas impostas por órgãos de fiscalização e às condenações judicias, gera valor à empresa, pois, com uma atuação voltada para a adequação às normas éticas e para a responsabilidade socioambiental, consumidores e investidores, bem como parceiros, são atraídos (DE SOUZA e BELLINETTI, 2019).
Assim, a adoção do compliance de forma eficaz, em consonância com um sistema de gestão de pessoas que seja efetivo, pode elevar a satisfação e a confiança do funcionário na organização, causando efeitos no clima organizacional. Desse modo, há um aumento na produtividade, pois a qualidade da produção está vinculada com a satisfação do funcionário com o trabalho (DATO LEAL, 2015, citada por DE SOUZA e BELLINETTI, 2019).
Em consequência das políticas de prevenção tem-se a diminuição dos riscos de passivo trabalhista. A auditoria é ferramenta fundamental neste resultado, pois é a área de gestão encarregada de examinar de maneira analítica, por meio de perícia e técnicas adequadas às operações trabalhistas, os direitos e obrigações do empregador e do empregado, as políticas de recursos humanos e as práticas de departamento de pessoal, emitindo posterior parecer acerca das dissonâncias verificadas com recomendação de ações corretivas (SILVA, 2018).
Com a adoção do compliance na seara trabalhista, deve-se buscar atuar em duas frentes, ambas primordialmente importantes. A primeira diz respeito a criação de políticas e procedimentos internos para que os colaboradores e funcionários, bem como gestores, observem à legislação e jurisprudência trabalhistas vigentes, sendo essas internas ou externas. Já a segunda é o balizamento de uma vigilância constante do cumprimento das medidas estabelecidas (NOVELLI, 2016, citado por FRANÇA, 2018). Com isso, é possível minorar, ou mesmo evitar, a responsabilização das empresas no âmbito judicial.
De acordo com Breno Novelli (2016), citado por França (2018, p. 158-159):
Mapeando as especificidades de cada núcleo organizacional, criar um ambiente transparente, sadio e respeitoso no trato interpessoal entre todos os funcionários, observando os ditames do complexo ordenamento jurídico trabalhista pátrio, passando, ainda, pela jurisprudência pertinente às relações trabalhistas. Neste sentido, por exemplo, devem ser coibidas atitudes preconceituosas, abusos hierárquicos, além de obediência a critérios objetivos em contratações, desligamentos e, claro, no trato entre colegas. Amplia-se, ainda, para a gestão empresarial ético-sustentável, na qual haja a atuação incisiva para obedecer a legislação posta, de forma a não suprimir direitos trabalhistas.
Por certo, os efeitos do compliance trabalhista ratificam a importância do papel do gestor e denota que sua atuação não se limita ao setor sob sua supervisão, mas estende-se além dos muros da empresa, resvalando em todos aqueles que contribuem direta ou indiretamente para a execução da atividade empresarial, como terceirizados e prestadores de serviços habituais.
O programa de integridade, embora possa variar de acordo com a complexidade de cada empresa, oferece às organizações a possibilidade de performance evitando e prevenido a exposição dos negócios aos riscos trabalhistas, visto que se utiliza de ferramentas destinadas a orientar a atuação da empresa em conformidade com as normas e princípios do Direito do Trabalho.
Como relatado, compliance significa estabelecer práticas para estar em conformidade com as normas legais. Ele serve, não só para tornar a empresa mais atrativa nas relações comerciais, como também para evitar ações judiciais na esfera trabalhista.
A adoção de métodos que buscam deixar a atuação da empresa mais cristalina pode ser efetivada mediante ação de uma regulamentação interna transparente, por meio de códigos de ética e de conduta, bem como a implementação de canais de denúncia pelos quais os trabalhadores podem relatar os fatos do dia a dia organizacional, mecanismo que se mostra bastante efetivo quando estamos diante de casos de assédio, por exemplo.
Insta salientar, que embora as empresas adotem o programa de compliance como mecanismo de proteção contra ações trabalhistas e sanções administrativas, em paralelo, o que se vislumbra é a efetivação do direito social ao trabalho, uma vez que as organizações passam a buscar se reger com a máxima observância às regras trabalhistas, adotando métodos para assegurar um ambiente de trabalho seguro e saudável para empregados e empregadores.
Isto porque, o compliance não se reveste de mero caráter preventivo, mas também se destina a detectar práticas e condutas abusivas, corrigindo-as para que se adequem à cultura organizacional e ética da empresa. Outrossim, a incorporação de um plano de Compliance colabora para a melhoria da imagem da empresa perante possíveis investidores, pois sentem-se mais seguros ao estabelecer relacionamento com uma entidade que tem por fundamento a repressão a práticas irregulares e fraudulentas.
Portanto, o compliance não se trata de simples ferramenta de gestão empresarial, visto que assume caráter social ao corroborar para a saúde da empresa e das relações interpessoais de seus colaboradores.
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm
BREDA, Luciane; LANNER, Maria Brecht. Fraternidade, tecnologia e direitos humanos: uma homenagem à Prof.ª Dr.ª Luciane Cardodo Barzotto pelas contribuições para o Direito do Trabalho. Curitiba: Appris, 2020.
BLOK, Marcella. Compliance e governança corporativa. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 2020.
CAVALCANTI, Leo. Prevenção de riscos trabalhistas: o que são mais dicas para evitá-los. Disponível em: https://www.linkana.com/blog/prevencao-riscos-trabalhistas/#:~:text=Riscos%20trabalhistas%20s%C3%A3o%20considerados%20como,na%20gest%C3%A3o%20de%20recursos%20humanos%20.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019.
DE OLIVEIRA, André Araújo. A incidência da lei anticorrupção e do compliance no âmbito trabalhista. Revista do Curso de Direito, v. 12, n. 12, p. 167-181, 2015.
DE SOUZA, Raíssa Fabris; BELLINETTI, Luiz Fernando. Compliance trabalhista. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 13, n. 40, p. 221-238, 2019.
FÁBIO, André Cabbete. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática. Disponível em: www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-%C3%A9-compliance.-E-por-que-as-empresas-brasileiras%C3%AAmderido%C3%A0-pr%C3%A1tica. Publicação: 24 de julho de 2017.
FRANÇA, Jaíne Gouveia Pereira. O compliance trabalhista como ferramenta para evitar ações judiciais. Revista de Ciências do Estado, v. 3, n. 1, 2018.
OLIVA, Milena Donato; DA GUIA SILVA, Rodrigo. Notas sobre o compliance no direito brasileiro. REVISTA QUAESTIO IURIS, v. 11, n. 04, p. 2708-2729, 2018.
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Compliance à luz da governança corporativa / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2017. (Série: IBGC Orienta). 56 p.
RIBEIRO, Lara Alves et al. Compliance e sua Aplicação Prática no Direito do Trabalho. Monografia - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2020. Disponível em : https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/handle/123456789/566.
SILVA, Elizabet Leal; CORDEIRO, Elisangela. Compliance Trabalhista: Ética, Transparência e a Redução do Passivo Trabalhista. Arquivo Jurídico – ISSN 2317-918X – Teresina-PI – v. 5 – n. 2 – p. 16-39, 2018.
TRAPP, Hugo Leonardo do Amaral Ferreira. Compliance Na Lei Anticorrupção: Uma Análise Da Aplicação Prática Do Art. 7º, VIII, Da Lei 12.846/2013. Boletim Jurídico, Uberba/MG. 2015. Disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhosacademicos/3421/compliance-lei-anticorrupcao-analise-aplicacao-pratica-art-7-viiilei-12-8462013.
[1] Advogado, professor do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte – UNINORTE, especialista em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário, Doutorando em Ciências Jurídicas pela UFPB, e-mail: winstonteixeira@ufam.edu.br.
Artigo publicado em 08/12/2021 e republicado em 27/03/2024
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário do Norte – UNINORTE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Catarina Oliveira da. Os efeitos do compliance no Direito do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2024, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57855/os-efeitos-do-compliance-no-direito-do-trabalho. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: Conteúdo Jurídico
Precisa estar logado para fazer comentários.